O trágico assassinato de dois jovens por um colega em uma escola de Goiás oculta outra tragédia: a escola como local de expressão e perpetuação da violência.

O termo “bullying” (que deriva da palavra inglesa “bully”, algo como valentão, brigão) aprisiona o fenômeno numa aura escura e enigmática como que para desorientar-nos na percepção de um ato (eventualmente mortífero) nú e crú de violência de ocorrência reiterada e alarmante.

Mesmo sendo um fenômeno tão preocupantemente disseminado e crescente no Brasil (e no mundo), as motivações para o bullying continuam sendo pouco compreendidas contribuindo para que seja mantido fora do campo da reflexão e, consequentemente, da possibilidade de transformação.

Um verdadeiro pacto de silêncio se estabelece entre aqueles que tomam parte das práticas de violência nos ambientes escolares.  O bullying pode ocorrer em qualquer lugar ou espaço, inclusive na virtualidade do espaço da internet. Com uma frequência desconcertante e persistente os pais dos alunos, professores e diretores de escolas dizem se surpreender quando as estridentes consequências dos atos agressivos transbordam no ambiente escolar.  Não são raras reações tipo: A turma “x” era tranquila; o “fulaninho” é um ótimo aluno, nunca apresentou qualquer comportamento que chamasse a nossa atenção…”

As acusações em todas as direções são comuns quando o leite caustico da violência foi derramado.  Pais acusam professores e dirigentes que acusam os pais que acusam os filhos que acusam os colegas que acusam o valentão-agressor que acusa o atacado-agredido. Todos podem acusar “os tempos atuais” – com a agressividade multiforme que ela recende. Acusações podem servir à catarse momentânea, mas mantem todos no congelamento da imobilidade e do silêncio.

Onde estavam os pais, professores, dirigentes escolares quando o bullying é praticado?  Onde estavam em relação à cena da violência e onde estavam em relação ao lugar que devem ocupar como referência hierárquica, moral, legal, disciplinar, simbólica?

O bullying não deve ser dissociado de outras formas de violência envolvendo adultos jovens – cujos índices não param de crescer.

Nas escolas o comportamento violento tem feições próprias como, por exemplo, o ataque aos professores – manifestado através da agressão física ou do simples não reconhecimento do lugar hierárquico e simbólico ocupado pelos mestres.

O Atlas da Violência 2017 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (que deveria ser estudado nas escolas!) mostra de forma eloquente a catastrófica quantidade de pessoas assassinadas no Brasil, concentrando-se as vítimas entre os pobres, negros e adultos jovens.  O documento alerta: o futuro da nação está comprometido. 

Outro documento valioso é a cartilha: “Suicídio: informando para prevenir”, da Associação Brasileira de Psiquiatria.  Nele descobrimos o inquietante aumento do número de jovens que atentam contra a própria vida.

A Unicef (Funda das Nações Unidas para a Infância) publicou recentemente estatísticas sobre a violência praticada contra crianças e adultos jovens.  As informações são mais uma vez alarmantes: o Brasil ocupa o sétimo lugar no mundo onde mais se mata meninos – ranking liderado pela Síria, país em guerra civil desde 2011.  Ganhamos do Afeganistão quando falamos de mortes de meninos de 10 a 19 anos. Veja o relatório completo clicando aqui.

Voltemos a incomoda indagação:  Por que não damos ao bullying a importância que deveria, urgentemente, ter?  Por que nos encolhemos no escuro da desistência, do silêncio ou da indiferença – até que novos columbines e goiases explodam na telinha dos próximos noticiários?

Arrisco uma hipótese (ainda genérica, correndo o risco de simplificar a questão): silenciamos porque não sabemos o que dizer – não por sermos incapazes de articular palavras, mas pela impossibilidade de saber a partir de onde falamos quanto examinamos este fenômeno social.  Fala significando posição, que implica em referência, que demanda convicção e acarreta em tomada de posição, experimentada inicialmente em foro íntimo para converter-se, eventualmente, em atitude social e política.

A escola, como microcosmo social formador de gente, reproduz por um lado e perpetua, por outro, os valores da sociedade e as referências (ou a falta delas) deste momento civilizatório conturbado.  Dissiparam-se os ideais (em nome dos quais construíamos projetos coletivos); procura-se garantir o prazer imediato, uma vez que se tornou incerto apostar em realizações futuras; depende-se mais da apresentação (imagens, pessoas, objetos) do que da representação (e da capacidade de simbolizar) e da reflexão subjetiva que a exige.

O mal-estar nas escolas, não podendo ser pensado e transformado, é ejetado no espaço externo; no caso do bulying, é descarregado com violência sobre um aluno escolhido para este propósito, ou sobre o professor, ou mesmo sobre o processo de ensino-aprendizagem ou sobre a instituição como objeto. Os pretextos para o ataque podem ser múltiplos, mas tem na intolerância à diferença uma marca pregnante: quanto ao gênero sexual e suas expressões, quanto às diferenças entre classes sociais ali representadas; quanto às dissonâncias em relação ao ideal estético e corporal, entre outros.  É bom lembrar que os ataques podem eventualmente partir dos representantes da escola (administradores ou professores).  Quando não ocupam o lugar de autoridade e de referência legal não estão atacando o lugar simbólico que deveriam encarnar e representar?

As atuais formas de enfrentamento do fenômeno do bullying que, repito, são risíveis – se não fossem trágicas.  As escolas expulsam o aluno agressor (negando o caráter grupal-institucional-cultural do fenômeno) ou contratam seguros para proteger financeiramente a escola das consequências judiciais acarretadas pela judicialização das ocorrências.  E assim toca-se o barco sem enfrentar-se corajosamente a explosão da violência neste espaço – a escola – que, pela própria natureza, deveria cultivar a prática do pensamento, da reflexão e da formação/transformação das pessoas…

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