A PSICANÁLISE DA CORRUPÇÃO*

Carlos Pires Leal

Membro efetivo da SBPRJ

 

A corrupção transbordou sobre a Nação brasileira.  Institucionalizou-se.  Não receia mais a luz do dia. Pelo contrário, a ela se expõe despudoradamente.  Não é nova, é verdade.  Esta velha senhora, de hábitos costumeiramente sorrateiros e astuciosos, albergou-se sem pejo nos núcleos formais do poder da Nação – e se disseminou dentro deles.

Na corrupção, um pouco diferente do que ocorre na perversão, transgride-se um valor simbólico estabelecido como referência e compromisso.  Quando os agentes públicos violam ostensivamente o cumprimento de um compromisso pactuado, praticam a corrupção.  O perverso é coerente com a sua lógica pervertida: não reconhecendo a lei desde o início, não a corrompe.  É fiel e coerente com os seus princípios.  Sem culpa e sem medo. Não se deixa subornar na consumação de seus atos: neste sentido é incorruptível!

A corrupção-de-Estado desacredita e desnatura as funções política, social e jurídica do Estado degradando a sociedade.    Hélio Pellegrino nos dizia há 32 anos (Pacto Edípico e Pacto Social, 1983) que a ruptura do pacto social , em virtude de sociopatia grave – como é o caso brasileiro – pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico.  Destruindo-se o significante paterno, o Nome do Pai, aniquila-se o lugar da Lei e promove-se a delinqüência no plano público ou privado.  É uma das formas de compreendermos a pilhagem do bem público (patrimonial e simbólico) em benefício privado.  Rompido o pacto social, o pacto edípico fica ameaçado fazendo emergir os impulsos pré-edípicos, predatórios, parricidas, homicidas e incestuosos.

Os protestos nas ruas e os panelaços indicariam ventos auspiciosos?  E as iniciativas do Judiciário, prenunciariam a recomposição de um novo pacto social?  Não necessariamente.  É perigosa a aposta na purificação da sociedade através da eliminação dos corruptores. A psicanalista francesa Marie-Laure Susini (Elogio da Corrupção, 2010) alerta para o perigo da crença no incorruptível.  As maiores atrocidades foram cometidas ao longo da história baseadas no ideal de regeneração da pretensa natureza virtuosa, inocente e pura do homem: acabar-se-ia com o corrupto restituindo-se a pureza do homem.

Homo homini lúpus: corromper e ser corrompido é uma propensão humana.  A renúncia a ela dependerá da restauração de ideais coletivos pelos quais paguemos o preço coletivo do sacrifício.


  • Publicado no “Intervalo Psicanalítico”, Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, Ano XVI, Nº 2, Março – Abril 2015

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