Autoria: Carlos Pires Leal
A reflexão sobre as possibilidades de articulação entre a experiência traumática e a literatura ilumina, potencialmente, tanto o campo da teoria psicanalítica quanto os domínios da arte e da criação artística.
Este trabalho [publicado na Revista Psicanálise, vol. 7, número 2, 2005, Revista Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre], após uma breve delimitação dos conceitos de trauma e repetição, tomará a literatura de testemunho – na qual a situação traumática incide a partir da realidade externa – e a narrativa literária representada pelo romance e pela ficção – na qual o trauma incide a partir da vida fantasmática – como produções a partir das quais será analisado o processo de criação.
Entre outras, serão utilizadas imagens literárias de autores como Proust, Borges e Celan para ilustrar formas possíveis de dizer e representar a realidade interna-externa em suas figurações múltiplas, característica da atividade criadora. Especial enfase será dada aos limites da representação e da linguagem que, simultaneamente, nutrem-se de aspectos retauradores e destrutivos (em Fedro, Platão denominou o ato de escrever de phármacon, que, a um só tempo, representa remédio e veneno).
Finalmente, o texto procurará demonstrar que a repetição, no terreno da estética literária, não é obrigatoriamente sinônimo de monotonia, silêncio traumático ou reprodução obtusa do mesmo. Pelo contrário, pode indicar o esforço da elaboração psíquica convertendo-se em uma pré-condição da própria obra artística pela abertura que enseja à polifonia.